GLP-1: Uma ponte entre alimentação, peso e comportamento

Por muito tempo, medicamentos como a semaglutida e a tirzepatida eram indicados apenas para o controle do diabetes tipo 2, sendo posteriormente associados também à perda de peso. No entanto, um estudo publicado na Nature – Scientific Reports em 2023 aponta que os benefícios dessas substâncias vão além da perda de peso e do controle glicêmico. O que a ciência descobriu? Os pesquisadores utilizaram duas abordagens para investigar os efeitos dos medicamentos GLP-1 no consumo de álcool: Pesquisadores analisaram o comportamento de 153 pessoas com obesidade (IMC ≥ 30) que consomem álcool. Parte do grupo estava em uso de agonistas do receptor GLP-1, como semaglutida (Ozempic, Wegovy, Rybelsus) e tirzepatida (Mounjaro), e os resultados foram surpreendentes: O que pode explicar essa mudança? As substâncias receptoras do GLP-1 atuam em áreas do cérebro associadas à recompensa, como o núcleo accumbens — região também envolvida na dependência de substâncias, como álcool. Além disso, esses medicamentos retardam o esvaziamento gástrico e aumentam a sensação de saciedade, o que pode reduzir o desejo de consumir álcool e diminuir seus efeitos prazerosos. Por que isso importa? Mais do que ajudar no controle do peso, esses medicamentos demonstram potencial para regular comportamentos compulsivos e reduzir impulsos associados ao consumo de substâncias. Esses achados abrem espaço para novas abordagens no tratamento do Transtorno por Uso de Álcool (AUD), especialmente em pacientes com obesidade. O estudo reforça uma conexão poderosa entre corpo e mente: ao modular o metabolismo, também é possível influenciar o comportamento, o que destaca a importância de olhar para a saúde de forma integrada, envolvendo nutrição, psiquiatria, psicologia e endocrinologia. No entanto, apesar dos resultados promissores, ainda há um longo caminho a percorrer. Como ressalta a psiquiatra Dra. Camila Magalhães: “O tempo de estudo foi curto e as evidências, por enquanto, são limitadas. Ainda não podemos considerar a semaglutida como uma alternativa segura e eficaz para tratar o transtorno por uso de álcool.” E complementa: “Se, no longo prazo, ensaios clínicos comprovarem que a semaglutida ou a tirzepatida podem realmente auxiliar no tratamento desse transtorno, estaremos diante de uma mudança importante na forma como lidamos com essa condição. Isso, sim, será uma grande notícia.” Referência: Semaglutide and Tirzepatide reduce alcohol consumption in individuals with obesity – Scientific Reports, 2023 Nota importante sobre o uso de medicamentosO uso de medicamentos deve ser sempre orientado e acompanhado por um profissional de saúde. A automedicação pode trazer riscos graves à saúde, como efeitos colaterais, interações medicamentosas e agravamento de quadros clínicos. Em caso de dúvidas ou sintomas, consulte sempre um médico antes de iniciar qualquer tratamento.
Como a alimentação de qualidade é aliada no tratamento de transtornos mentais

Por muito tempo, nutrição e saúde mental foram tratadas como áreas separadas. No entanto, estudos científicos recentes têm mostrado que essas duas dimensões da saúde estão profundamente conectadas, e compreender essa relação nunca foi tão relevante. Tanto a má alimentação quanto os transtornos mentais estão entre as principais causas de doenças, incapacidades e mortes em todo o mundo, especialmente entre pessoas em situação de vulnerabilidade. A falta de acesso a alimentos nutritivos e seguros pode comprometer diretamente o funcionamento do cérebro, afetando a produção de neurotransmissores, o equilíbrio hormonal e as respostas emocionais. Ao mesmo tempo, condições como depressão e ansiedade impactam o apetite, reduzem a disposição para cozinhar ou se alimentar e interferem na capacidade de autocuidado e no cuidado com outras pessoas. Para muitas famílias, em especial aquelas em contextos de insegurança alimentar, manter uma alimentação saudável não é uma questão de escolha, mas de impossibilidade. A ausência de nutrientes adequados compromete o funcionamento do corpo — especialmente do cérebro.. Sem os nutrientes adequados, ele torna-se disfuncional, afetando o humor, a cognição e o comportamento. A carência nutricional afeta processos cognitivos e emocionais, contribuindo progressivamente para o agravamento da saúde mental. Diante desse cenário, cresce a compreensão de que dietas de alta qualidade não apenas previnem doenças físicas, mas podem atuar como aliadas importantes no tratamento de transtornos mentais. A alimentação é hoje reconhecida como um componente fundamental no cuidado em saúde mental, não mais restrito à prevenção, mas como parte do processo terapêutico. Dietas de alta qualidade: mais do que nutrientes De acordo com um estudo da Nature Communications de 2024, “Adherence to the EAT-Lancet diet and incident depression and anxiety”, alimentos ricos em fibras, gorduras boas, antioxidantes e aminoácidos essenciais, como os presentes em dietas mediterrâneas, veganas bem planejadas ou DASH, têm mostrado associação com: A boa nutrição favorece a produção e o transporte de neurotransmissores como serotonina, dopamina e GABA, essenciais para o equilíbrio emocional. Por que isso importa para o futuro da saúde mental? Incluir a alimentação como um pilar do tratamento traz uma nova perspectiva: estratégias integradas, que combinam psicoterapia, farmacologia e intervenções nutricionais, demonstram potencial para resultados mais sustentáveis e respostas mais rápidas ao tratamento. Pacientes com dietas balanceadas tendem a apresentar menor inflamação sistêmica, melhor qualidade de sono, maior energia e maior motivação para aderir ao processo terapêutico. Além disso, mudanças positivas no padrão alimentar muitas vezes funcionam como catalisadores de outros comportamentos saudáveis, como a prática de atividades físicas e o abandono de hábitos prejudiciais, como o consumo excessivo de álcool. Alimentação é cuidado emocional É fundamental reconhecer que a alimentação não se limita à ingestão de nutrientes: ela carrega significados afetivos, culturais e sociais. Cuidar da alimentação é também cuidar da autoestima, da identidade e da relação com o próprio corpo. Nesse contexto, estratégias terapêuticas que consideram a dimensão alimentar com seriedade ganham espaço. Dietas de alta qualidade, quando associadas a intervenções farmacológicas inovadoras, como os agonistas do receptor de GLP-1, vêm sendo investigadas como parte de abordagens integrativas em saúde mental. Contudo, é importante ressaltar que, embora essas substâncias estejam mostrando efeitos promissores em relação à regulação do apetite, perda de peso e possíveis impactos na redução e controle do abuso de álcool, ainda são necessárias pesquisas robustas para confirmar sua eficácia e segurança em contextos psiquiátricos. O uso de agonistas de GLP-1 na saúde mental deve ser feito com cautela, respeitando protocolos médicos, acompanhamentos multiprofissionais e evidências científicas. Um cuidado que integra corpo e mente O avanço de estudos como o publicado na Nature Communications, 2024, reforça um novo paradigma: a nutrição deixa de ser coadjuvante e passa a ocupar um lugar estratégico na promoção da saúde mental e emocional. Não se trata de substituir medicamentos ou terapias, mas de compor um cuidado integral completo, que respeite a complexidade do ser humano. Reconhecer que saúde mental e nutrição caminham lado a lado é um passo importante para políticas públicas mais eficazes, para o desenvolvimento de programas de prevenção em larga escala e para intervenções clínicas que respeitem a integralidade do cuidado. Na Caliandra, acreditamos que o cuidado em saúde mental deve ser completo e centrado na pessoa. Por isso, no nosso atendimento ambulatorial, além dos acompanhamentos em psicologia e psiquiatria, oferecemos também atendimento nutricional, com profissionais especializados em saúde mental e alimentação. Nosso trabalho é integrado: psicólogos, psiquiatras e nutricionistas atuam em conjunto para oferecer um plano terapêutico personalizado, que considera todas as dimensões do bem-estar — emocional, físico e social. Cuidar da saúde mental também é cuidar da alimentação. E esse cuidado precisa ser feito com ciência, acolhimento e parceria.