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Burnon: mais um alerta para a saúde mental dos colaboradores

O burnon, ainda pouco conhecido, destaca a necessidade de atenção ao estresse crônico no trabalho e à promoção de saúde mental nas empresas para prevenir o esgotamento profissional. Por Dra. Camila Magalhães, psiquiatra e cofundadora da Caliandra Saúde Mental Recentemente, o termo “burnon” tem ganhado destaque. Embora ainda não seja uma síndrome cientificamente reconhecida, é um termo popularmente conhecido que indica exaustão no ambiente corporativo devido à dedicação excessiva ou “obsessão” pelo trabalho. Neste caso, a pessoa apresenta uma fixação e apego exagerado ao trabalho, chegando a romper relações sociais e a abandonar outras atividades por dificuldade em estabelecer limites. Apesar de ainda não haver estudos científicos aprofundados sobre o tema, o burnon é entendido como um mecanismo de estresse relacionado ao trabalho, com sintomas semelhantes aos do burnout — uma síndrome bem definida e reconhecida pela Organização Mundial da Saúde. Diferente do burnout, no qual há percepção de fadiga e exaustão extrema, física, emocional e mental, no burnon parece não haver compreensão do adoecimento: a pessoa continua suas atividades, mesmo exausta, pois, apesar de cumprir suas tarefas, ainda sente que seu esforço é insuficiente. Além disso, no burnon, a pessoa perde o prazer em realizar atividades que não sejam relacionadas ao trabalho, uma vez que está exageradamente vinculada à rotina laboral, que parece trazer alívio por estar alinhada ao seu ideal de sujeito trabalhador. Por se tratar de um termo recente, ainda não há dados precisos sobre a prevalência desse problema. No entanto, o sofrimento mental associado ao estresse e à sobrecarga no ambiente de trabalho tem recebido maior atenção. Uma pesquisa conduzida pela Caliandra Saúde Mental revelou os principais temas e desafios relacionados à saúde mental enfrentados pelas empresas. Entre os 333 líderes, colaboradores e profissionais de RH entrevistados, 73% afirmam que o medo do julgamento e da discriminação são motivos para que as pessoas com problemas relacionados à saúde mental não busquem ajuda profissional. Outras barreiras citadas por cerca de 70% dos entrevistados foram o tabu em torno da saúde mental e o sentimento de insegurança ou vergonha. Entre os desafios relacionados à saúde mental que mais impactam o trabalho, destacam-se o desgaste, o cansaço e o estresse, representando 49% das respostas. Alterações de humor e falta de comunicação assertiva seguem com 22% e 10%, respectivamente. Vale salientar que, apesar do termo “burnon” ter ganhado espaço, isso reflete a necessidade contemporânea de criar patologias para o sofrimento humano. É necessário adotar uma visão mais ampla ao avaliar o estresse crônico no trabalho e suas manifestações, que geralmente decorrem de uma relação disfuncional do indivíduo com o seu trabalho, envolvendo múltiplos fatores causais. Esses fatores incluem desde aspectos relacionados à personalidade e às necessidades do indivíduo, até precariedades nas relações e condições de trabalho, falta de políticas de saúde mental nas empresas e a cultura neoliberal, pautada no individualismo, desempenho e competitividade em um contexto de crises diversas (política, econômica e socioambiental). Todo esse ecossistema gera sofrimento. As doenças relacionadas à sobrecarga de trabalho afetam a todos em uma cultura que valoriza o empreendedorismo, a competitividade e a hiperconectividade, mas cujas rápidas mudanças tecnológicas e econômicas contribuem para um clima de insegurança. Muitos profissionais atuam constantemente sob pressão, enfrentando grandes responsabilidades, dupla jornada, inversão de turno ou ambientes de trabalho com demandas excessivas, lideranças abusivas e equipes reduzidas, o que os coloca em maior risco de desenvolver algum prejuízo emocional. Para minimizar os impactos, algumas medidas são eficazes, como estabelecer limites claros, praticar o autocuidado e procurar apoio profissional ao perceber tal sofrimento. No processo de tratamento, é necessário reconhecer e reduzir os fatores que levam aos sintomas de estresse, sobrecarga e exaustão. Além do gerenciamento dos fatores estressantes, o tratamento pode incluir melhorias na alimentação, sono, exercícios, comunicação com chefias, psicoterapia para percepção das angústias e organização dos afetos, tempo para lazer e, quando necessário, prescrição de medicação. Para que o tratamento de casos de sofrimento relacionado ao ambiente de trabalho seja eficaz, é essencial que haja interlocução entre o indivíduo e a instituição, seja por meio do médico do trabalho, RH ou líder direto, para ajustes em suas atividades laborais. Ou seja, um tratamento efetivo desses casos depende de ações conjuntas entre colaborador, empresa e profissionais de saúde especializados. O tratamento deve ser individualizado e pode envolver diversas abordagens (terapia, mudanças no estilo de vida, manejo de estresse), dependendo da gravidade e dos sintomas apresentados. Mas é preciso reforçar que, além das estratégias centradas no indivíduo, ações de prevenção e assistência no ambiente laboral também devem ser adotadas. Isso ressalta a importância de investimentos em ações para os colaboradores, abordando o tema de maneira efetiva, promovendo o letramento em saúde mental e treinando líderes para intervir quando necessário. Para que um colaborador se sinta à vontade para conversar com seu gestor sobre esse tema, é preciso que a liderança seja acessível, o que pode ser construído a partir de sensibilização e treinamento das equipes. O melhor programa de saúde mental é aquele elaborado em parceria, customizado ao perfil da empresa e de seus diferentes níveis e setores. Ao adotar uma comunicação clara, empática e humana, pautada na ética médica e assegurando aos colaboradores a confidencialidade dos dados de saúde, aumentam-se as probabilidades de utilização das ferramentas oferecidas. Promover e proporcionar um serviço especializado em saúde mental contínuo significa quebrar barreiras para a busca por ajuda – essa prontidão no cuidado traz repercussões muito positivas para o indivíduo e para a empresa. Como costumamos dizer, o bem-estar emocional no ambiente de trabalho é uma responsabilidade compartilhada. Fonte: Mundo RH

Burnon vem antes do burnout e dá sinais de alerta; veja como identificar

Nos últimos anos, a rotina da publicitária Adriana*, 37, podia ser resumida da seguinte forma: ela trabalhava cerca de 12 horas por dia, vivia cansada, não dormia o suficiente para se recuperar e abusava do consumo de cafeína. Apesar da exaustão, ela sentia uma euforia anormal para cumprir metas e avançar na carreira. Por um tempo, funcionou. Adriana progredia na empresa e acreditava que estava gerenciando tudo. Até que, “de repente”, o esgotamento surgiu, impossibilitando-a de seguir nesse ritmo frenético. É claro que o colapso não é algo que ocorre da noite para o dia. Depois de semanas, meses ou até anos de esforço excessivo no trabalho, a pessoa pode atingir o ponto de ruptura físico e mental conhecido como esgotamento. No entanto, embora muito tenha sido falado sobre o burnout, a fase de esgotamento em si, pouco se fala sobre a fase que vem antes: o burnon. Esse termo foi criado por pesquisadores alemães (Timo Schiele e Bert te Wildt) para descrever o estado de pessoas com níveis elevados de estresse, já capaz de trazer prejuízos para rotina, bem-estar e saúde mental, mas no qual o indivíduo consegue manter um certo nível de eficácia. No burnon, as pessoas trabalham e seguem suas vidas como se tudo estivesse normal, embora se sintam frequentemente exaustas. Os indivíduos permanecem funcionais e podem ter dificuldade para perceber que já se encontram diante de um estado que precisa ser remediado para evitar o colapso. Como identificar De acordo com Camila Magalhães, doutora em psiquiatria pela FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), embora ainda não exista um debruçar científico para esse tema, entende-se o burnon como um mecanismo de estresse relacionado ao trabalho com sintomas semelhantes aos de burnout. Ela explica que, geralmente, por conta da “compulsão em trabalho”, o paciente revela um sentimento de exaustão física e mental crônica, redução do prazer nas atividades fora do ambiente corporativo, desconexão emocional e persistência de sintomas físicos, como tensão muscular e dores de cabeça constantes. “Ao meu ver, a relação disfuncional do sujeito com seu trabalho tem múltiplos fatores causais: aspectos pertinentes ao indivíduo (personalidade, desejos, necessidades), precariedade nas relações e condições de trabalho, falta de políticas de saúde mental nas empresas, assim como aspectos da cultura neoliberal pautada no individualismo, desempenho e competitividade em um contexto de indefinições e crises de diversas naturezas (politica, econômica e socioambiental). Todo esse ecossistema gera sofrimento”, avalia Magalhães. Além disso, segundo ela, no burnon o sujeito também parece se identificar com a antiga máxima do “trabalha que passa”, “o trabalho dignifica o homem”, entre outras formas de domínio do sujeito para vinculá-lo ainda mais à produtividade. O que fazer para evitar Conseguir estabelecer limites saudáveis em relação ao trabalho é um fator importante de prevenção. Outras estratégias incluem investir no autocuidado, ter momentos de qualidade com amigos e familiares e respeitar e priorizar o descanso e a desconexão. Para Cleyson Monteiro, psicólogo e professor do curso de psicologia da Uninassau, é essencial reservar tempo para atividades que proporcionem prazer e satisfação pessoal. “Um grande problema da sociedade contemporânea é a falta de tempo dedicado a si mesmo. Muitas vezes, as pessoas priorizam o tempo para os outros —filhos, trabalho, cônjuge—, mas negligenciam a si mesmas”, ressalta ele. Além disso, vale sempre buscar ajuda de profissionais especializados em saúde mental para evitar que a situação se agrave. Responsabilidade das empresas Segundo Thaís Gameiro, neurocientista pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e sócia da consultoria Nêmesis, investir numa cultura que prioriza a saúde mental e o bem-estar dos colaboradores é uma das melhores formas de protegê-los do adoecimento associado ao estresse. “As empresas podem fazer isso de muitas formas, por exemplo: capacitar líderes para terem práticas de gestão anti-burnout, desenvolver os colaboradores para que aprimorem suas habilidades de autogestão, priorização e gestão do tempo, incentivar rotinas e acordos que respeitem o equilíbrio de vida, evitar a cultura da urgência e da conexão 24 horas, estimular pilares como segurança psicológica, confiança e colaboração entre os times etc.”, enumera Gameiro. Para a especialista, de maneira geral, as empresas precisam apostar em ações e práticas preventivas, ou seja, que evitem o adoecimento das pessoas. “Oferecer suporte emocional e psicoterapêutico também é uma ação importante, no entanto, muitas vezes isso acontece apenas quando os profissionais já estão doentes”, afirma. Fonte: Viva Bem – UOL