Caliandra

Por muito tempo, medicamentos como a semaglutida e a tirzepatida eram indicados apenas para  o controle do diabetes tipo 2, sendo posteriormente associados também  à perda de peso. No entanto, um estudo publicado na Nature – Scientific Reports em 2023 aponta que os benefícios dessas substâncias vão além da  perda de peso e do controle glicêmico.

O que a ciência descobriu?

Os pesquisadores utilizaram duas abordagens para investigar os efeitos dos medicamentos GLP-1 no consumo de álcool:

  1. Análise de dados em redes sociais:
    Os pesquisadores analisaram mais de 68 mil postagens de usuários no Reddit comentando sobre semaglutida, tirzepatida e outros agonistas GLP-1. Com ajuda de inteligência artificial, organizaram os temas discutidos em clusters (grupos) e descobriram que mais de 70% dos relatos sobre álcool mencionavam uma redução no desejo de beber, mal-estar com a bebida ou abandono do hábito.
Clusters finais otimizados (Nature – Scientific Reports em 2023)
  1. Estudo com 153 pessoas com obesidade:
    Na segunda etapa, os cientistas acompanharam indivíduos que  utilizam esses medicamentos (ou não) e coletaram dados detalhados sobre o consumo de álcool. Os resultados confirmaram o que foi observado nas redes sociais: menos bebida, menos episódios de binge drinking e menores escores de risco para alcoolismo.
Matriz de correlação parcial completa entre os clusters otimizados (Nature – Scientific Reports em 2023)

Pesquisadores analisaram o comportamento de 153 pessoas com obesidade (IMC ≥ 30) que consomem álcool. Parte do grupo estava em uso de agonistas do receptor GLP-1, como semaglutida (Ozempic, Wegovy, Rybelsus) e tirzepatida (Mounjaro), e os resultados foram surpreendentes:

  • Redução significativa no número de bebidas alcoólicas consumidas por episódio;
  • Diminuição nas chances de binge drinking, ou seja, consumo excessivo em curto período;
  • Redução nos efeitos estimulantes e sedativos do álcool, o que torna a bebida menos “atraente”;
  • Queda nas pontuações do AUDIT, um teste que mede risco de transtornos por uso de álcool.

O que pode explicar essa mudança?

As substâncias receptoras do GLP-1 atuam em áreas do cérebro associadas à recompensa, como o núcleo accumbens —  região também envolvida na dependência de substâncias, como álcool. Além disso, esses medicamentos retardam o esvaziamento gástrico e aumentam a sensação de saciedade, o que pode reduzir o desejo de consumir álcool e diminuir seus efeitos prazerosos.

Por que isso importa?

Mais do que ajudar no controle do peso, esses medicamentos demonstram potencial para regular comportamentos compulsivos e reduzir impulsos associados ao consumo de substâncias. Esses achados  abrem espaço para novas abordagens no tratamento do Transtorno por Uso de Álcool (AUD), especialmente em pacientes com obesidade.

O estudo  reforça uma conexão poderosa entre corpo e mente: ao modular o metabolismo, também  é possível influenciar o comportamento, o que destaca  a importância de olhar para a saúde de forma integrada,  envolvendo nutrição, psiquiatria, psicologia e endocrinologia.

No entanto, apesar dos resultados promissores, ainda há um longo caminho a percorrer. Como ressalta a psiquiatra Dra. Camila Magalhães:

“O tempo de estudo foi curto e as evidências, por enquanto, são limitadas. Ainda não podemos considerar a semaglutida como uma alternativa segura e eficaz para tratar o transtorno por uso de álcool.”

E complementa:

“Se, no longo prazo, ensaios clínicos comprovarem que a semaglutida ou a tirzepatida podem realmente auxiliar no tratamento desse transtorno, estaremos diante de uma mudança importante na forma como lidamos com essa condição. Isso, sim, será uma grande notícia.”

Referência: Semaglutide and Tirzepatide reduce alcohol consumption in individuals with obesity – Scientific Reports, 2023

Nota importante sobre o uso de medicamentos
O uso de medicamentos deve ser sempre orientado e acompanhado por um profissional de saúde. A automedicação pode trazer riscos graves à saúde, como efeitos colaterais, interações medicamentosas e agravamento de quadros clínicos. Em caso de dúvidas ou sintomas, consulte sempre um médico antes de iniciar qualquer tratamento.